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Coluna

Choque de realidade

04 junho 2022 - 08h10

O papel da escola na sociedade pós-pandemia é algo que começou a ser discutido com alguma seriedade, sobretudo após o retorno total das aulas no país. Essas discussões nascem da prática, da constatação de que algo mudou nas relações educacionais contemporâneas.

Em um cenário em que as primeiras informações ainda eram tateadas – com a explosão de casos, as altas taxas de mortalidade e sem que houvesse ainda a proteção vacinal no horizonte – a decisão pelo fechamento das unidades escolares foi a opção mais acertada. Hoje, especialistas divergem sobre o tempo e a natureza desse fechamento. Entretanto, as pesquisas mostram que os jovens e crianças são também bastante suscetíveis à doença, o que sempre recoloca a lide no seu ponto de partida: até que ponto é possível correr riscos?

É obvio que a educação escolar fez falta, sobretudo a pública, por seu espectro mais ampliado de alcance. Nossa compreensão da estrutura educacional pública abrange a aquisição de conhecimentos, habilidades e competências, mas também a coloca a serviço de uma oferta holística de recursos ligados à saúde, à alimentação, à socialização, à construção da cidadania e à proteção contra os abusos de toda a ordem. Ou seja, escolas fechadas, lacunas abertas.

No retorno, a imprecisão e a frouxidão dos protocolos reforçaram que, se tomássemos a decisão de não fechar as unidades escolares, teríamos uma explosão de casos no país ainda mais dramática. Porém, os efeitos desse fechamento têm se mostrado evidentes nos mais variados campos. A insegurança alimentar é uma delas. Muitas famílias tiveram sua economia doméstica desestruturada, e a alta do custo de vida nos últimos tempos tem se tornado um fator preocupante. Ganha-se menos, compra-se menos, come-se menos e com menor qualidade. A necessidade por alimentação escolar reforçada e de boa qualidade é, portanto, urgente como política social.

Outra urgência é no aspecto comportamental. O afastamento gerou uma profunda estranheza do espaço escolar. Os problemas e transtornos se multiplicaram, especialmente os casos de depressão, síndrome do pânico e de dificuldades de adaptação e sociabilidade. Em boa parte dos relatos, isso se mistura aos casos de violência, aumento na agressividade, intolerância, desrespeito às regras institucionais e de conduta, além de comportamentos de ostensivo enfrentamento aos docentes, colegas e demais profissionais da educação. Não tem sido fácil.

A introdução de novas tecnologias educacionais e a ampliação das redes de conexão, produção de softwares, plataformas de aprendizagem, ensino remoto e metodologias híbridas deveriam ser postas na ordem do dia como uma das prioridades. Afinal, ao que tudo indica, teremos ainda outras pandemias a enfrentar, cada vez mais em curtos intervalos de tempo. E tudo isso pode ajudar no profundo déficit cognitivo constatado.

Falhamos, no entanto, em produzir um legado cultural e postural frente à pandemia. Estamos falhando novamente como comunidade educacional quando o uso das práticas de higiene e das máscaras não são incorporados como novos saberes necessários e socialmente importantes. Apenas usamos ou não usamos conforme os governos dizem ser ou não obrigatório. Isso é ruim. Já deveríamos ter maturidade o bastante para usar as máscaras sempre que sentirmos sintomas e praticar a higiene como hábito. Só o fazemos quando há ameaça, infelizmente.

No mais, a reconfiguração da educação será complexa. No cenário de crise nacional, ganha contornos de uma tarefa épica, uma batalha civilizacional. E deverá contar com um grande esforço de toda a sociedade.

(*) Paulo Cotias é professor de História.