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Coluna

A estrutura educa

13 março 2022 - 12h31

Uma das questões mais negligenciadas na educação pública é a qualidade das instalações escolares. Não é raro ouvirmos falar de sucateamento da coisa pública, tida estranhamente não como algo que pertence a todos, mas como “terra de ninguém”. Consequência direta dessa deformação é a noção de que “qualquer coisa” no âmbito público já é o suficiente, desde que pelo menos não esteja desabando por completo na cabeça de ninguém. Mais especificamente, tornou-se um vício crônico naturalizar a falta de qualidade dos prédios públicos e dos recursos escolares na educação pública, onde impera o princípio da realidade do fazer algo com o pouco que se tem e dentro desse quase nada, justificar com algum malabarismo estatístico uma sensação mínima de aprendizagem. 

Se voltarmos um pouco na história, vemos que algumas reformas da educação na Roma Antiga já levavam em consideração a inadequação da oferta em espaços insuficientes da instrução ofertada por particulares, autorizados pelo poder imperial. Mesmo na medievalidade já se pensava esse espaço com algumas singularidades, algo mais evidente no mundo árabe islamizado e suas casas de cultura, mais bem aprumadas e equipadas. Em ambas havia o elemento religioso no entorno, mas a qualidade da oferta era diferente, assim como a proposta do ensino. Mas isso são outras histórias. 
Com as mudanças trazidas pela Modernidade e suas novas relações de produção e trabalho industrias, sob os ditames e peculiaridades do estado-nação, o espaço escolar toma a forma fabril em quase tudo, aliada a disciplina e uniformidade emprestada das casernas. Ainda assim, tem-se a noção de que essas estruturas precisavam de elementos mínimos para que houvesse alguma proficiência no aprender. Estamos falando de um cenário de, no mínimo, dois séculos atrás.

Esse breve retorno no tempo nos serve apenas para constatar, com o devido espanto, que o problema enunciado no início desse artigo tem como base a necessidade de atualização de uma escola que, mesmo inserida no auge da integração em rede, ainda tem o formato típico da transição do século XVIII para o XIX. Ou seja, o que ofertamos em termos de estrutura pública de educação para profissionais e estudantes está, no mínimo, com dois séculos de defasagem. Seria como tentar resolver o problema de produção e abastecimento agrário introduzindo as técnicas usadas no manso feudal. 

Como existem outros problemas igualmente graves, sobretudo no âmbito da valorização dos profissionais, a questão estrutural vai sempre sendo tomada como secundária. Com isso, continuamos a conviver com salas de aulas cheias, inadequadas em tamanho, em escolas com parcos recursos tecnológicos e onde temos que fazer libações aos deuses caso encontremos recursos mínimos como canetas de quadro com carga, papel, carteiras, livros e, nos casos mais bem abastados, uma cota de cópias para reprodução (em máquinas que funcionem, claro). Falar em tecnologia é algo abstrato, distante, onde encontrarmos uma nesga de vibração quando as turmas são colocadas para fazer alguma atividade em salas com alguns computadores defasados, usando programas de gamificação extremamente simplórios (mas que são um avanço!) A pandemia serviu para escancarar o óbvio: A educação pública não está no século XXI. Portanto, de nada adianta avançar na formação e na introdução de novas concepções pedagógicas e metodologias ativas de ensino se não há um espaço físico pensado para tal. A noção da sala de aula como depósito de gente ainda prevalece na gestão pública, onde o importante é socar o máximo de alunos nos limites do espaçamento permitido por lei (isso se alguém se dignar a acompanhar a metragem...). É isso, mais uma caneta e o resto se opera no modo “se vira”. Nos próximos artigos falaremos sobre como as escolas poderiam entrar com o pé direito no nosso século.