As pitangueiras do quintal estão carregadas. Minha boca saliva em protuberância. Passarinhos assanhados disputam a colheita nessa manhã ensolarada. Quem dera os dias todos começassem assim! Passarinhos e pitangas...
O Livro do Desassossego me desassossega. Ainda que escrito há tanto tempo por um dos maiores poetas da vida, sinto o quanto a palavra poesia não se gasta. “ Minha alma é uma orquestra oculta.” Como os passarinhos que cantam afinados enquanto saboreiam as pitangas vermelhas nas manhãs molhadas dos quintais.
Aprendi a bordar tarde. Mas existe tarde para alguém que começa? Espeto dedo com agulha, chupo a gota de sangue e sigo em frente, escolhendo cores para meu desenho no pano. Bordar também é poesia. Passarinhos, quintais, pitangas, bordados...
Conhecer gente é das coisas que mais gosto. Encher de conversa boa os dias tão calejados de sofrência clareia céus nublados. Nos encontros não combinados vem as melhores prosas. O taxista que vende café artesanal em suas “viagens” me fala da saudade de Minas, sua terra natal, enquanto descubro que é conterrâneo de minha mãe; o moço da capina debruça-se sobre o pau da enxada enquanto identifica os matos da minha mata. “ Tenho vontade de estudar mais ”, suspira ele enquanto sonha. Admiro a humildade de quem sabe tanto e ainda quer mais. Subo a montanha com desconhecidos para esperar lua cheia e desço cheia de novos amigos de outros lugares. Foi proseando que nos fizemos próximos. A montanha, a lua, passarinhos, bordados, quintais, pitangas, manhãs, noites, prosas, poesia...
Se a felicidade das duas doses me acalma, a melancolia das perdas me desassossega. E se são nas pequenas delicadezas diárias como: pitangas, quintais, bordados, poesia, passarinhos, chuva, lua cheia, manhãs e noites, montanhas, amigos e prosas que me alivio, agarro-me sobrevivente a vida que não devo perder de vista.